Respostas de luta à privatização total na GALP, PT, EDP e REN

<i>Troikas</i> atacam «bifes do lombo»

Domingos Mealha

O «me­mo­rando de en­ten­di­mento», que une a troika que veio de fora e a troika que go­verna cá dentro há 35 anos, pre­co­niza a ur­gente en­trega ao grande ca­pital de todas as par­ti­ci­pa­ções pú­blicas nas em­presas mais ren­tá­veis. As or­ga­ni­za­ções dos tra­ba­lha­dores con­testam o apro­fun­da­mento de uma linha que já causou graves pre­juízos ao País e apelam à luta, para que os «bifes do lombo» da eco­nomia na­ci­onal não fi­quem to­tal­mente nas mãos de quem co­loca o lucro má­ximo acima de todos os in­te­resses.

Nos do­cu­mentos de apelo à par­ti­ci­pação nas ma­ni­fes­ta­ções na­ci­o­nais de hoje, em Lisboa e no Porto, que chamam igual­mente para o voto a 5 de Junho contra esta po­lí­tica e pela al­ter­na­tiva, a CGTP-IN, a Fi­e­qui­metal e as co­mis­sões de tra­ba­lha­dores da Por­tugal Te­lecom e da Pe­trogal (Grupo Galp Energia) apontam factos e nú­meros a jus­ti­ficar a acu­sação de que, a pre­texto do com­bate à crise e da re­dução da dí­vida pú­blica, aquilo que o FMI, o BCE e a União Eu­ro­peia pre­pa­raram e que o Go­verno do PS, o PSD e o CDS aceitam sem re­servas é um plano para car­rear mi­lhões e mi­lhões de euros para as contas dos grandes ac­ci­o­nistas.

«O FMI apro­veitou para deitar mão a tudo o que in­te­ressa ao ca­pital trans­na­ci­onal», acusa a Co­missão Cen­tral de Tra­ba­lha­dores da Pe­trogal, num co­mu­ni­cado em que re­vela que a ad­mi­nis­tração do grupo pu­blicou e dis­tri­buiu pron­ta­mente na em­presa o «me­mo­rando» das troikas.

 

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Ajuda a quem?

 

No fo­lheto «Não ao acordo», a CGTP-IN apre­senta contas es­cla­re­ce­doras sobre as me­didas ins­critas num do­cu­mento de 34 pá­ginas, em In­glês, e que não teve tra­dução ofi­cial para Por­tu­guês.

O em­prés­timo de 78 mil mi­lhões de euros vai custar mais de 30 mil mi­lhões de euros de juros ao fim de sete anos e meio.

Para su­portar au­mentos de ca­pital da banca, serão usados 12 mil mi­lhões. Em pa­ra­lelo, o Es­tado as­se­gura avales no valor de 35 mil mi­lhões de euros, para me­lhorar as con­di­ções de fi­nan­ci­a­mento da banca.

O Es­tado terá também que as­sumir de­fi­ni­ti­va­mente os pre­juízos do BPN, para que este seja pri­va­ti­zado até Julho de 2011, sem qual­quer en­cargo para o com­prador e sem exi­gência de preço mí­nimo.

«Para os grandes ac­ci­o­nistas e para os ban­queiros, o acordo das troikas é mesmo uma grande ajuda» – co­menta a Fe­de­ração In­ter­sin­dical das In­dús­trias Me­ta­lúr­gica, Quí­mica, Far­ma­cêu­tica, Eléc­trica, Energia e Minas, num co­mu­ni­cado aos tra­ba­lha­dores das em­presas dos grupos EDP e REN. Já «para os tra­ba­lha­dores e para a ge­ne­ra­li­dade dos por­tu­gueses, o en­ten­di­mento é pés­simo e cada uma das suas me­didas me­rece firme res­posta de luta», con­trapõe a Fi­e­qui­metal/​CGTP-IN.

A fe­de­ração con­testa o ob­jec­tivo de, ainda em 2011, en­tregar ao grande ca­pital os 25 por cento que o Es­tado detém na EDP, e os 51 por cento que cons­ti­tuem a par­ti­ci­pação pú­blica na REN. «O jackpot de muito poucos é ga­ran­tido à custa dos in­te­resses da grande mai­oria», porque a ali­e­nação «será feita a preço de saldo e será com­ple­tada com um ataque iné­dito aos di­reitos e à re­mu­ne­ração dos tra­ba­lha­dores, com mais cortes nos apoios so­ciais, com o au­mento do IVA, do IRS e do IMI».

Se­gundo prevê o «me­mo­rando», nas contas pú­blicas en­trará uma re­ceita de 5500 mi­lhões de euros, com a venda das par­ti­ci­pa­ções em 20 em­presas – a EDP e a REN, e também a TAP, a CP Carga e as li­nhas su­bur­banas da CP, os portos ma­rí­timos, os se­guros da CGD. O valor é in­fe­rior ao di­vi­dendo da PT na venda da Vivo, mas «para as troikas, isso não conta», tal como «pouco im­porta que o Es­tado deixe de re­ceber quais­quer di­vi­dendos e ceda aos in­te­resses pri­vados (os mesmos que são acu­sados pela crise fi­nan­ceira) ins­tru­mentos que podem ditar o pre­sente e o fu­turo do País».

No «acordo das troikas» pre­tendem também «que a energia passe a ser tra­tada como um bem de luxo, apli­cando-lhe a taxa má­xima do IVA e um im­posto novo, de con­tornos ainda di­fusos».

«Se o acordo for apli­cado, a pro­dução de ri­queza (PIB) no pró­ximo ano fi­cará ao nível de 2002», e «este recuo de dez anos es­tende-se às con­di­ções de vida da po­pu­lação e aos di­reitos so­ciais». A fe­de­ração avisa ainda que «me­didas mais graves es­tarão cer­ta­mente na forja, para verem a luz do dia logo após as elei­ções le­gis­la­tivas».

 

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Energia ou lu­cros?

«Lu­cros para uns poucos ou energia ao ser­viço de todos?» – ques­tiona a Fi­e­qui­metal, su­bli­nhando que «a EDP e a REN fazem parte de um sector com im­por­tância es­tra­té­gica, fun­da­mental para a eco­nomia e para a po­pu­lação, que deve per­tencer ao sector pú­blico e servir os in­te­resses da so­ci­e­dade».

A fe­de­ração as­si­nala que «a po­lí­tica de pri­va­ti­zação já causou aqui es­tragos muito avul­tados» e que «todos os ar­gu­mentos que lhe ser­viram de jus­ti­fi­cação foram des­men­tidos pela prá­tica», no­me­a­da­mente:

- «os con­su­mi­dores pagam ta­rifas muito ele­vadas»;

- «a ex­tinção de ser­viços e fun­ções e a re­dução acen­tuada do nú­mero de tra­ba­lha­dores têm como re­verso o au­mento ex­po­nen­cial da mão-de-obra ex­te­rior, com pes­soal su­jeito a altos ní­veis de ex­plo­ração»;

- «houve de­sin­ves­ti­mento na Dis­tri­buição, foram en­cer­radas ins­ta­la­ções téc­nicas e de aten­di­mento co­mer­cial, cen­tra­li­zaram ser­viços e ac­ti­vi­dades, trans­fe­riram largas cen­tenas de tra­ba­lha­dores... mas isto não serviu para me­lhorar o ser­viço, antes pelo con­trário».

Com a po­lí­tica de des­man­te­la­mento e pri­va­ti­zação no sector eléc­trico, «apenas os grandes ac­ci­o­nistas fi­caram a ga­nhar, en­cai­xando mi­lhões e mi­lhões de euros ao longo dos tempos». Por exemplo, «só em quatro anos, de 2007 a 2010, a EDP dis­tri­buiu mais de 2150 mi­lhões de euros de di­vi­dendos».

Desta ex­pe­ri­ência se con­clui que «acen­tuar a pri­va­ti­zação e levá-la à to­ta­li­dade é in­sistir num rumo er­rado, que vai con­tri­buir para agravar os pro­blemas do País, vai pe­na­lizar mais os con­su­mi­dores e vai re­pre­sentar um grave passo no ataque aos tra­ba­lha­dores».

Na Galp Energia, o «me­mo­rando» vem de­ter­minar, na pri­meira alínea do seu ponto 8, que seja posto fim a qual­quer par­ti­ci­pação e di­reito de in­ter­venção do Es­tado já a partir de Julho de 2011.

«Para além de isto nada con­tri­buir para a re­dução do dé­fice do País, a de­cisão não só é ile­gí­tima e ilegal (até por ul­tra­passar a AR), como con­corre ob­jec­ti­va­mente para a pos­si­bi­li­dade de o grande ca­pital de­ter­minar o con­ge­la­mento e o fim de in­ves­ti­mentos es­sen­ciais para Por­tugal, pri­vi­le­gi­ando mai­ores lu­cros para si, no ime­diato, em de­tri­mento do de­sen­vol­vi­mento da Galp e do seu im­por­tante con­tri­buto para o pro­gresso eco­nó­mico e so­cial do País e, em par­ti­cular, das re­giões onde estão ins­ta­ladas as re­fi­na­rias» – pro­testa a Co­missão de Tra­ba­lha­dores. Em termos prá­ticos e no mais curto prazo, se­guir tal ori­en­tação «sig­ni­fi­caria que o grande ca­pital po­deria co­locar os seus ser­ven­tuá­rios na pre­si­dência da Ad­mi­nis­tração e da Co­missão Exe­cu­tiva e, assim, de­sim­pedir os obs­tá­culos le­gais hoje exis­tentes, que proíbem o des­man­te­la­mento da em­presa».

 

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E se a PT fosse pú­blica?

«Não acei­tamos a “crise” para quem tra­balha e os lu­cros cho­rudos para os bolsos sem fundo dos ac­ci­o­nistas, ad­mi­nis­tra­dores e di­ri­gentes de topo» – afirma a Co­missão de Tra­ba­lha­dores da Por­tugal Te­lecom, num co­mu­ni­cado em que reage às de­ci­sões da as­sem­bleia geral da em­presa, onde o Es­tado possui uma par­ti­ci­pação sim­bó­lica com di­reitos es­pe­ciais (uma golden share de 500 ac­ções, que apenas foi no­tada quando se tratou de elevar o preço de venda da bra­si­leira Vivo).

No dia 6 de Maio, os ac­ci­o­nistas apro­varam pagar, a 3 de Junho, mais 1,30 euros por cada acção, por conta do lucro da Vivo e dos re­sul­tados de 2010. No fim do ano pas­sado, já tinha pago um euro. A CT afirma que «só nos úl­timos cinco anos, os ac­ci­o­nistas da PT em­bol­saram cerca de seis mil mi­lhões de euros em di­nheiro, isto sem con­ta­bi­lizar os muitos mi­lhões gastos em share buy-back (re­compra de ac­ções pró­prias)», e lembra, por outro lado, que «ainda não se ini­ci­aram as ne­go­ci­a­ções sa­la­riais no Grupo PT para o ano de 2011».

Em re­sul­tado da re­dução de pes­soal e da pas­sagem de fun­ções e ac­ti­vi­dades para mão-de-obra ex­te­rior, a em­presa tem pro­mo­vido o tra­balho pre­cário, com sa­lá­rios baixos e sem di­reitos, e «na Aca­demia PT, nos call-center e na rede de lojas PT já há quem ganhe menos do que o sa­lário mí­nimo na­ci­onal».

«Se a PT fosse pú­blica, con­tri­buía para o fi­nan­ci­a­mento do Es­tado por­tu­guês», afirma, por seu turno, o PCP. Num co­mu­ni­cado do Sector de Co­mu­ni­ca­ções, Água e Energia, a apelar ao voto na CDU, os co­mu­nistas re­cordam que 70 por cento das ac­ções da PT per­tencem a es­tran­geiros, pelo que a em­presa «en­viou para fora das fron­teiras por­tu­guesas, nestes úl­timos cinco anos, cerca de 4200 mi­lhões de euros».

Dos quase 900 mi­lhões de euros pagos a 28 de De­zembro, nada foi pago de IRC. Ao vo­tarem contra a pro­posta do PCP para aplicar a tri­bu­tação, os de­pu­tados do PS, do PSD e do CDS dei­xaram nas contas dos ac­ci­o­nistas cerca de 250 mi­lhões. Na al­tura, re­corda-se no co­mu­ni­cado, os 15 mai­ores ac­ci­o­nistas pos­suíam 85 por cento do ca­pital.

Um dos grandes be­ne­fi­ci­ados foi o Grupo Es­pí­rito Santo, se­gundo maior ac­ci­o­nista da PT. Em 1995 (úl­timo Go­verno de Ca­vaco Silva), quando ar­rancou a pri­va­ti­zação da PT, foi pre­ci­sa­mente o Banco Es­pí­rito Santo que foi cha­mado a fazer a ava­li­ação e or­ga­nizar a venda. Esta seria dada por com­pleta em De­zembro de 2000, ao fim de cinco «ope­ra­ções», pro­mo­vidas pelos go­vernos do PS, com An­tónio Gu­terres em pri­meiro-mi­nistro.

Nessa al­tura, «o ar­gu­mento que foi uti­li­zado era o de di­mi­nuir a dí­vida pú­blica», mas «quase duas dé­cadas pas­sadas, as em­presas es­tra­té­gicas e fun­da­men­tais para o de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico do País dei­xaram de ser pú­blicas e agravou-se ainda mais o en­di­vi­da­mento e a de­pen­dência ex­terna» – as­si­nala o PCP.